Ficha técnica

Capa de: Alan Moore

Maxwell, O Gato Mágico
Autor: Alan Moore (roteiro e arte)
Tradutor: Érico Assis
Letrista: Gustavo Figueiredo
Preço: R$ 59,90
Editora: Pipoca & Nanquim
Publicação: Março/2020
Número de páginas: 132
Formato: (21,5 x 28 cm), Preto e branco/Capa dura
Gênero: Comédia
Sinopse: Antes de V de Vingança e Watchmen havia um gato… Um gato mágico vindo direto do espaço para atormentar o infante Norman Nesbit e a sociedade inglesa.

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Alan Moore é um daqueles nomes que dispensa apresentações. Considerado por inúmeras fontes como um dos maiores quadrinistas de todos os tempos, o inglês é mais lembrado por seus trabalhos como V de Vingança, Watchmen, Do Inferno e sua passagem na DC nos anos 80. Contudo, assim como muitos profissionais, seu começo foi modesto: trabalhando em um jornal por dez libras por semana em uma tira infantil, Maxwell – o gato mágico. 

Publicada originalmente entre 1979 e 1986 no jornal Northants Post, a tirinha rapidamente evoluiu para algo mais ácido, sagaz e com o humor típico de Moore. Como ele mesmo diz: 

[…] supostamente era uma tira de animais divertida e simpática, destinada a crianças, mas essa abordagem não durou muito. Eu comecei a distorcer as coisas… Ela foi se tornando cada vez mais estranha e não demorou para que eles a deslocassem da seção infantil para a de entretenimento. Eu fiz tiras de ração de gato no corredor da morte, latas de fígado ao molho de ostra. Assim como naquela cena do filme do Cagney, em que ele grita ao longo do corredor até ser amarrado a cadeira elétrica, fiz uma que a lata gritava por todo o trajeto até chegar ao abridor. (Alan Moore)

No entanto, não é só de sangue e do típico humor inglês que a tirinha vive. Há espaço para críticas e comentários acerca do governo britânico e da política global, sobre o mundo dos famosos, em relação à família real e tudo o mais que chamasse a atenção de Moore por aí. 

Tanto que muitos dos temas tratados já se tornaram poeira ao vento. São eventos e fatos cuja relevância estava incrustada na década de 80 do século passado. Algo que o próprio autor vai evidenciar no posfácio do volume. Tanto que, forçando a barra um pouquinho, é possível dizer que, para Moore, as tiras eram como tweets onde ele podia comentar, de forma rápida, o que estava acontecendo à sua volta.

A beleza da efemeridade

Esta brevidade das tiras pode fazer quem as lê hoje não pegar a piada ou entender o contexto discutido ali. Algo que mesmo as notas de rodapé (escassas, diga-se de passagem) do volume nacional não dão conta de auxiliar. Entretanto, não são todas as que sofrem dessa problemática e é possível ainda se divertir com elas. 

Aliás, talvez esta efemeridade da publicação tenha um outro ponto bem mais interessante. Como diz Eddie Campbell em Mago das palavras – a vida extraordinária de Alan Moore (Marsupial Editora): 

De todos os trabalhos de Alan, Maxwell, é a representação mais imediata das ideias e pensamentos avulsos do homem… que chegam até nós sem o filtro de um colaborador nem os complexos requisitos das grandes editoras.

Arte de: Alan Moore

Além disso, o quadrinista escocês ainda diz, no mesmo livro, que a tira ainda será reconhecida pelas novas gerações como “obra de relevância”. E bem, ao final da leitura tenho que concordar com Campbell. Sem as amarras da indústria, de tramas extremamente elaboradas e dono da caneta, Moore consegue entregar algo que, se não acima da média, único.

Singular, por trazer Moore no início de sua carreira, mas já tratando de temas que irão acompanhá-lo em toda a sua carreira. Suas preocupações sociais, seu humor ácido, o surrealismo de suas criações, sua capacidade de síntese. Outrossim, há também a sua habilidade em se apropriar de elementos já existentes na cultura dos quadrinhos, mastigar e cuspir algo novo.

E aqui, o quadrinista inglês não fez diferente. Tendo nascido como uma tirinha infantil, Maxwell – o gato mágico tem um quê de Peanuts de Charles Schulz. Algo que o próprio Moore faz questão de expor e brincar em diferentes momentos.

Maxwell – o gato mágico e o cãozinho pensador

Numa primeira camada dessas similaridades, temos a própria relação entre Norman Nesbit, o garotinho de nove anos que adota e interage com Max em grande parte das tiras. Várias de suas interações remetem às de Charlie Brown e Snoopy.

Há uma troca entre os personagens e a piada se faz justamente na reação de Nesbit às respostas nem sempre convencionais de Maxwell ou quando o felino o coloca em alguma situação perigosa ou ameaçadora. Uma estrutura bastante parecida com a que vemos em Peanut, mas que com Moore ganha contornos ácidos, violentos ou surrealistas.

Arte de: Alan Moore

Porém, as similaridades não ficam somente nas conversas entre os personagens. Como disse, há momentos em que Moore escancara essa referência como nas tirinhas em que Maxwell interage com o próprio universo com questões mais existenciais. Mas vez ou outra o próprio Bruxo de Northampton deixa a coisa ainda mais explícita e em uma das tiras vemos um amálgama de Snoopy e Woodstock e em outra, o própria Maxwell se dá conta de que está em outra tira ao acordar numa famosa casinha de cachorro. 

Talvez o mais notável de todo esse processo é perceber como desde cedo Moore se apossa de componentes, personagens e arcabouços alheios, alterando-os para compor novos arranjamentos. Algo que fará com que ele se torne mundialmente conhecido, principalmente em Liga Extraordinária onde essa habilidade se torna extremamente evidente. Se bem que, grande parte do trabalho do roteirista pode ser lido por essa ótica, mas isso é papo para outro dia.

Maxwell – o gato mágico ou de um estudo

Seja como for, a tira não é só de brincar com brinquedos alheios e é possível encontrar várias outras experimentações. Experimentações com a quebra da quarta parede, outras tantas com o próprio ato de se fazer uma tira semanal. O que nos brinda com pérolas como a tira ser feita ao vivo, e não funcionar, e piadas mais básicas como aquelas sobre atrasos nos prazos. 

Mas Maxwell – o gato mágico é também uma pesquisa sobre os limites do próprio fazer quadrinhos. São várias as tiras onde vemos o quadrinista gracejar com a noção de tempo, sequencialidade e simultaneidade. Admito que não são muitas, mas quando elas surgem percebemos o quão envolvido Moore estava para tornar esta mídia única, produzindo peças que só poderiam ser geradas em uma história em quadrinhos.

Por isso tenho que concordar com Campbell e dizer que esta obra juvenil é sim uma obra de relevância. É possível ver o quanto de comprometimento Moore coloca na construção das tiras, das temáticas ali trabalhadas, na construção do seu universo, de se entender os pormenores da nona arte e tentar levá-la aos limites. Além, é claro, de podermos ver as suas preocupações políticas e sociais em primeira mão.

Conclusão

Não vou dizer que Maxwell – o gato mágico é uma obra que irá agradar a gregos e troianos, mas é inegável que a obra possui o seu valor histórico e vê-la sendo publicada, em 2020, e republicada em novo formato em 2022 só demonstram que não sou o único a pensar assim.

Alan Moore é um nome daqueles que arrastam multidões, seja para o bem ou para o mal, e ter acesso às suas obras primárias são essenciais para que possamos entender a sua trajetória no mundo dos quadrinhos e principalmente os temas e ferramentas que o forjaram. 

Então leia as aventuras desse anárquico felino (perdoem o pleonasmo) por sua conta e risco.

Nota: 4

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Autor: Thiago de Oliveira

Há mais de duas décadas lendo e colecionando quadrinhos. Tem mais da metade do que gostaria e menos do dobro do que queria ter. Não dispensa um pão de queijo, um café e uma cerveja.

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