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Críticas de segunda e Opiniões de quinta sobre Quadrinhos

Por Thiago de Oliveira

Os melhores quadrinhos de 2023

Todo final de ano chove, para fazer jus a nossa estação, listas dos melhores álbuns, filmes, séries, exposições, livros. Mas, e quais foram os melhores quadrinhos de 2023? Chegou a hora de descobrir

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Todo final de ano chove, para fazer jus a nossa estação, listas dos melhores álbuns, filmes, séries, exposições, livros. Mas, e quais foram os melhores quadrinhos de 2023? Bem, haverá, inúmeras listas sobre o assunto; mas se tem uma coisa que eu sei é que, assim como as listas, as respostas são múltiplas, únicas e que vez ou outra convergem, mas que tendem a se separar em nichos que refletem os gostos da pessoa que a fez.

Nenhuma lista será igual a outra. Disso você pode ter certeza e acredito que seja por isso que elas sempre me encantam. Passo sempre algum tempo lendo/assistindo/ouvindo boa parte das que encontro. Comemoro quando encontro uma leitura que tenha mexido comigo, ergo a sobrancelha quando vejo algo que considero duvidoso e anoto todos os títulos daquilo que considero interessante. E acredito que com você será a mesma coisa à medida em que vamos descendo pela minha listagem.

Como de costume, a lista a seguir é feita pelos quadrinhos lidos em 2023 e não necessariamente publicados em 2023. Pois, as minhas leituras tendem a girar em torno de alguns critérios. Alguns desses parâmetros são baseados nas minhas resoluções de ano novo, outros vão sendo adquiridos com o decorrer do ano e muitos são definidos através do que tenho disponível no orçamento. O que acaba gerando uma pilha de leitura que inclui lançamentos, releituras, garimpagem em feiras e plataformas virtuais, além de oportunidades que surgem em promoções por aí.

O que importa é encontrar bons quadrinhos, não importa onde estejam. Aliás, uma das coisas mais gratificantes dos últimos tempos tem sido a infinidade de temas e materiais muito bons saindo ou sendo produzidos por aqui. Sendo o mais importante, é você ficar atento e ir vasculhando, seguindo pistas e encontrando aqueles portos seguros de indicações para acompanhar. Coisa que espero que o De Segunda seja para você que chegou por aqui. 

Voltando a minha pilha de leituras, esse ano que passou foi mais proveitoso em termos de títulos lidos; reflexo de um momento mais tranquilo na vida. Pelo lado colecionista, infelizmente não foi dessa vez que consegui terminar de adquirir todas as obras do Alan Moore, mas consegui avançar um pouquinho nisso e acredito que mais uns dois anos e terei toda a bibliografia em português do mago de Northampton.

Por outro lado, me enveredei de vez na Saga da Liga da Justiça acompanhando a fase de Grant Morrison (aqui não tem espaço para clubismo) e Mark Waid e estou quase conseguindo pegar os dezesseis volumes da coleção. Além disso, continuei a pegar os títulos das Graphic MSP, assim como os da coleção Corto Maltese da editora Trem Fantasma. Também pude fechar a, até então, trilogia do Batman – Cavaleiro Branco do Sean Murphy. Contudo, o ano de 2023 foi marcado por leituras que de alguma forma falam sobre o próprio ato de colecionar, o universo dos quadrinhos e da cultura pop, livrarias, sebos e livros. Um caso curioso de metaleitura e que não foi de todo pensado.

Como de praxe, acabei me estendendo e fazendo um pequeno balanço das minhas leituras com vocês aí do outro lado da tela. Acredito que o motivo disso seja concatenar as ideias, enquanto escrevo. Mas também porque gosto de falar de quadrinhos e daquilo que li, estou lendo e que vou ler. Então se você quiser acompanhar no ano de 2024 as minhas leituras e os papos me sigam no Instagram, no Twitter ou no Bluesky.

Mas agora sem mais delongas vamos aos melhores quadrinhos de 2023.

10 – Comida de fada: Um conto macabro

Comida de fada: Um conto macabro capa
Capa de: Val Armanelli

Falei de Comida de fada: Um conto macabro no blog ali em setembro e acredito que não teria como ela não estar presente na lista. Com um traço aquarelado e utilizando-se de colagens, a quadrinista Val Armanelli produziu uma HQ sobre os perigos que nos rodeiam. 

Tendo como pano de fundo uma situação de abuso, a HQ é uma daquelas fábulas que atingem crianças e adultos de formas diferentes. Aos primeiros como um aviso e aos segundos como um lembrete. Pois, nem tudo que reluz é ouro, nem toda fada é boazinha e que é nas frestas das cores e do som alto de uma festa que devemos olhar. 

Para além das camadas no roteiro, a HQ ainda brilha com seu experimentalismo e nos lembra que as formas de se produzir um quadrinho são múltiplas e que a mídia quadrinho possui fronteiras porosas. Fronteiras essas que só dependem da criatividade de quem o produz.

09 – Naukan

Naukan capa
Capa de: Thiago Souto

Sabe aquele ditado sobre os melhores perfumes estarem nos pequenos frascos? Isso também vale para quadrinhos e a editora Ugra Press está aí para provar isso. Seja através da coleção Ugritos ou de títulos independentes, a editora (e loja de quadrinhos) vem trazendo ótimos quadrinhos nacionais em formatos menores e bastante acessíveis. Um exemplo disso é Naukan do Thiago Souto que foi Indicado ao 35º Troféu HQMix na categoria Publicação de Aventura/Terror/Fantasia.

Na história acompanhamos um homem, sem nome, vivendo em um casebre num lugar ermo e remoto. Cercado por um vento incessante e neve por todos os lados, o homem pinta compulsivamente. Sua vida é seguir um estranho ritual que começa às 04h da manhã e não tem hora para acabar. 

Um quadrinho mudo daqueles de tirar o chapéu, com uma arte que reforça o sentimento de desolação e uma história sobre culpa e trauma que vai te fazer voltar para pescar todos os detalhes.

08 – Ando com medo de tudo…

Ando com medo de tudo de Fefê Torquato
Tirinha de Fefê Torquato

Lembro, mais ou menos, de um trecho do segundo Balões de Pensamento do Érico Assis, onde ele diz que um dos seus quadrinhos preferidos de 2013 só foi postado pelo autor no Twitter. Bem, esse é o caso aqui. 

Postada pela Fefê Torquato em seu perfil, agora abandonado, no Twitter, Ando com medo de tudo é um tipo bem específico de diário. Digo isso, pois no mês de junho podemos compartilhar de alguns de seus momentos.

O medo de envelhecer, seu receio com comprimidos, a relação com a sua irmã, sua cidade, seus gatos (e suas facções), seu jardim, os dilemas de se fazer uma reforma. Enfim, o dia a dia de uma pessoa comum. O que por sua vez acaba tornando essas poucas tirinhas em uma experiência quase que universal. 

Há algo ali na forma como Torquato conta as suas histórias que encanta e nos traz para bem próximo de si, quase como se estivéssemos recebendo notícias de um amigo distante. Isso sem falar no traço que está lindo de morrer. 

07 – Apocalipse, por favor

Apocalipse, por favor capa
Capa de: Felipe Parucci

Já adianto que essa é uma das HQs que quero voltar a ler em 2024, visto que ela merece uma resenha destacando um ponto que ainda não vi por aí. Então aguardem.

Frente ao fim iminente do mundo, graças a chegada do tão aguardado meteoro, a sociedade entra em um grande frenesi. Dentro deste cenário acompanhamos quatro personagens, que terão que lidar com todas as suas neuroses, dramas e escolhas de uma vida com o pouco tempo que lhes resta. 

Utilizando de bom humor e algumas doses de nonsense, o quadrinista Felipe Parucci cria uma parábola para falar do capitalismo selvagem que nos assola, da política brasileira, comportamentos tóxicos, racismo e tantas outras nuances da comédia humana.

06 – Zenith vol. 2

Zenith vol 2 capa
Capa de: Steve Yeowell

2023 foi o ano de tirar da pilha de leitura alguns títulos comprados em anos anteriores, mas que ainda não tinham sido contemplados. Com isso em mente resolvi encarar aquela que era alardeada como a resposta cínica e punk às histórias de heróis atormentados saídos de Watchmen e Batman – O Cavaleiro das Trevas.

Acompanhando Zenith, um herói/músico mais preocupado com sua carreira, do que salvar o mundo, em uma guerra interdimensional e depois a ascensão de seres monstruosos em rumo ao controle da própria realidade; vemos Grant Morrison fazendo aquilo de melhor que elu sabe: desconstruir expectativas, quebrar a quarta parede e criar uma história única com uma salada mista de conceitos.

Há deuses lovecraftianos, conceitos vistos em Miracleman, ideias que serão mais aprofundadas em Os Invisíveis e em sua fase no Homem-Animal e muita, mas muita referência ao pop britânico e do universo da música. É até interessante notar como Morrison chega a antecipar algumas questões bastante atuais sobre comportamento e nossos quinze minutos de fama.

05 – Santelmo enfeitiçado

Capa de: Piero Bagnariol Francesco Kotsubo

Santelmo também deu as caras por aqui anteriormente e foi um dos primeiros recebidos aqui do blog. Mas que adentra a lista por méritos próprios do grupo de quadrinistas que se juntaram para contar uma história sobre vingança, magia e intriga girando em torno do personagem que dá título à HQ.

Este pano de fundo dá vazão ao romance de formação, porém, com uma ligeira diferença: aqui o personagem em específico é o próprio Estado de Minas Gerais e todas as suas contradições, condensadas na criação de sua capital Belo Horizonte.

Como disse na minha resenha, a HQ se propõe a dialogar com o passado do estado mineiro, para que juntos possamos entender as dicotomias da relação entre o Brasil sonhado por sua elite e por seu Estado e o Brasil criado nas frestas pela sua população. 

Inesperadamente, não vi tanto burburinho em relação ao título e fica aqui a minha torcida para que mais pessoas possam conhecê-la. 

04 – Palavras, Magias e Serpentes

Palavras, magias e serpentes capa
Capa de: Eddie Campbell

2023 também foi o ano de acelerar as aquisições de material do mago de Northampton e aproveitei para pegar essa edição onde Eddie Campbell (Do Inferno) adapta duas das performances do Alan Moore.

Para quem não sabe, Moore tem um extenso trabalho com arte performática e que permanece meio que a parte do público que só o conhece pelo seu trabalho no universo da nona arte. Essas performances acontecem desde 1999 e são através delas que o quadrinista inglês dá vazão aos seus estudos com magia e reúnem temas diversos como a psicogeografia, a cultura britânica e autobiografia. 

Assuntos esses presentes nas duas histórias reunidas neste volume da Darkside. A primeira – Membrana fatal – é uma das obras mais autobiográficas de Moore e nela o vemos narrar a sua vida, mas de trás para frente. Partindo dos eventos presentes, da noite de 18 de novembro de 1995, voltamos no tempo e percorremos a sua adolescência e infância.

Já a segunda – Escadas e serpentes – é uma aula sobre psicogeografia e como podemos escolher um ponto qualquer de uma cidade e explorar os múltiplos fenômenos ali ocorridos criando ligações com outros dados e personalidades. 

Outra obra que deve ganhar resenha por aqui em algum momento, pois ainda preciso voltar a ela com calma.

03 – Corto Maltese: Equatória

Corto Maltese: Equatória capa
Capa de: Rubén Pellejero

Segundo volume da trilogia de Juan Díaz Canales e Rubén Pellejero junto ao personagem de Hugo Pratt, Equatória vem para subir o sarrafo. O trabalho da dupla é impecável e ao mesmo tempo em que emulam o universo de Pratt, conseguem criar algo único e com bastante estilo próprio. 

Aqui, Corto está em busca do lendário espelho de Preste João; o que o leva a percorrer as ruas de Veneza e Alexandria, até chegar à selva da África equatorial. Eventualmente, o caminho do marinheiro se cruza com o de outras pessoas, que aqui são: uma mulher que está em busca do seu pai, acompanhada de uma freira amiga, uma mulher que se recusa a falar, um grupo de nacionalistas egípcios, a intrépida jornalista Aída e um cruel tenente britânico. 

Coisa fina e espero que a dupla volte algum dia a levar o nosso marinheiro por outras viagens.

02 – Wimbledon Green: o maior colecionador de quadrinhos do mundo

Wimbledon Green: o maior colecionador de quadrinhos do mundo capa
Capa de: Seth

Essa era uma daquelas HQs que já estavam a tempos na lista de compras; tempo até demais. Então resolvi tomar vergonha na cara e finalmente dar um jeito de trazê-la ao meu encontro. O que li foi algo que ia além do mundo dos colecionadores de quadrinhos.

Claro que há muito do universo dos leilões e seus perigos e artimanhas, do prazer de frequentar sebos e vendinhas atrás de edições antigas e da esquisitice dos colecionadores de quadrinhos e seus saberes ultra especializados. Mas o interesse do autor Seth é de tratar algo que anda bastante em voga atualmente: a nostalgia.

Há algo nos enquadramentos, nas cores e na própria narrativa da história que dialoga com um outro período dos quadrinhos. Isso fica ainda mais evidente no próprio grafismo da HQ, que é onde o quadrinista vai utilizar uma série de ferramentas que fogem dos quadrinhos atuais norte-americanos, principalmente nos de super-heróis, e sua tendência à cinemalização.

Em formato documentário, vamos acompanhando a vida e os mistérios que cercam Wimbledon Green: a origem de sua fortuna, a forma como conseguiu adquirir este ou aquele título raro, seus inimigos, antigos colaboradores e o seu desaparecimento. Tudo isso contado em capítulos episódicos que vão explorar diferentes facetas do personagem.  Mas não vou me prolongar muito, pois ainda vai vir resenha sobre Wimbledon Green, todavia, fica aqui a dica para que leiam

01 – Superman: Vermelho e Azul

Superman Daniel Warren Johnson
Arte de: Daniel Warren Johnson

Diferentemente dos últimos três anos, onde quem ocupou o posto mais alto da lista foram títulos brasileiros, esse ano não teve como. O impacto que Daniel Warren Johnson causou, com apenas oito páginas, foi grande e o que mais me impressionou foi como o quadrinista conseguiu introduzir toda uma nova camada ao personagem. 

Muito se diz como que o Superman estaria defasado e em como é complicado torná-lo algo crível para os dias atuais. Entretanto, esquece-se que o personagem é justamente um ideal. Um símbolo, daquilo que há de melhor em nós mesmos e, assim sendo, algo que só possamos almejar em nos tornarmos, como diria Grant Morrison.

Entretanto, mesmo o Super teve que começar de algum lugar. Afinal, ele era só um bebê quando chegou aqui e ele só se tornou o que é por conta de um lar amoroso. Pais bondosos que o apoiaram e que estiveram verdadeiramente presentes ajudando-o a se formar tudo aquilo que ele poderia ser.

Oito páginas e o quadrinista norte-americano conseguiu criar algo que aprofunda ainda mais todo o conceito de o “alienígena mais humano” do que eu e você e de quebra ainda entrega uma história sobre amor que é definitivamente o cerne do personagem. 

Mas como toda boa antologia, Superman: Vermelho e Azul tem seus altos e baixos, portanto vá com calma. Todavia, essas oito benditas páginas estão lá e elas fazem valer todo o resto.

Menções honrosas

As menções honrosas de melhores quadrinhos de 2023 ficam com:

  • Superman: o que aconteceu ao Homem de aço? (que acabei relendo e a arte Curt Swan vai ficando ainda melhor com o tempo)
  • O Alcazar (que quadrinho incrível e como gostei de acompanhar o dia a dia dos trabalhadores do edifício Alcazar)
  • Primavera em Tchernóbil (que quadrinho bonito e realmente teve seu lugar merecido nas listas de 2022)
  • Beco do rosário (finalmente consegui ler e nossa, os desenhos da Ana Luiza Koehler são de outro mundo)
  • A noite dos palhaços mudos (Laerte arrasando com uma história curtinha)
  • Um tal Daneri (Carlos Trillo e Alberto Breccia são daquelas duplas imbatíveis)
  • Incidentes da noite (a arte de flanar pela cidade de Paris e suas livrarias)

E para 2024?

Fazer projeções para este ano de 2024 está um tanto quanto complicado. O aumento galopante do preço dos quadrinhos vem se mostrando um impedimento para continuar a leitura e o divertimento com a nona arte. Contudo, sigamos firmes e ainda mais criteriosos com a lista de compra. 

Mas 2024 também é ano de FIQ, o que significa que teremos uma nova leva de quadrinhos nacionais na pilha de leitura. Além disso, fica aqui a torcida para que o evento seja ainda melhor que o de 2022. Algo que, pelo menos em relação ao espaço, a organização já garantiu, visto que agora o festival vai ocorrer numa área maior do Minascentro. Um alívio tanto para os visitantes quanto para os expositores, que dois anos atrás sofreram com o calor e a superlotação. 

Para além de aumentar a quantidade de autores e títulos brasileiros na coleção, a busca por fechar a bibliografia do Alan Moore permanece e o objetivo deste ano é conseguir os quatro volumes de Supremo e quem sabe os primeiros da Liga Extraordinária. 

Então é isso pessoal. Bora pra cima, porque a pilha de leitura não vai diminuir sozinha e há muito para se conhecer ainda. 

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