Ficha técnica

Capa de: Sean Phillips (arte) e Jacob Philipps (cores)

Pulp
Autor: Ed Brubaker (roteiro), Sean Phillips (arte) e Jacob Philipps (cores)
Tradução: Dandara Palankof
Preço: R$ 69,00
Editora: Mino / Image Comics
Publicação: Julho / 2021
Número de páginas: 80
Formato: 17 x 26 cm / Colorido/Capa dura
Gênero: Aventura
Sinopse: Max Winters é um velho escritor de quadrinhos pulp na Nova York dos anos 30. Em crise e vendo seu emprego ameaçado, a realidade ganha contornos saídos dos contos que escreve, porém terá ele o necessário para escapar de ladrões de bancos, nazistas e antigos inimigos do passado?

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A dupla Ed Brubaker e Sean Phillips talvez seja uma das dobradinhas mais conhecidas da nona arte. Juntos, tendo produzido mais de uma dezena de quadrinhos focados em personagens de moral ambígua e verdadeiros quadrinhos noir. Alguns destes títulos figurando em premiações como Eisner e Harvey e em diferentes listas de melhores quadrinhos. Sendo Pulp um exemplo deste longo rol de quadrinhos consagrados pelo roteirista e desenhista norte-americanos. 

Arte de: Sean Phillips

Tendo a Editora Mino como casa por aqui no Brasil, que se propôs a trazer todos os títulos autorais da dupla, Pulp, ganhador do prêmio Eisner de melhor novo álbum gráfico em 2021, foi a ponta de lança da coleção. Contudo, apesar de todo o burburinho em torno da parceria, admito que até então meu único contato tinha sido com Brubaker em Mulher Gato: um crime perfeito

Como resultado ao que tinha visto na HQ da gatuna, mais alguns comentários aqui e ali na internet, e um empurrãozinho na Mino Day, me fizeram acreditar que era chegada a hora de estreitar os laços e ver no que dava. O resultado, já adianto, foi bastante impactante e forte o suficiente para abrir um espaço na estante para os outros álbuns.

Dentre os motivos para isso estão a fluidez e a precisão do texto, que corta como um golpe de vista e que te dá breves respiros antes de te levar a nocaute. E digo isso, pois em suas 80 páginas, Pulp emula e muito bem as HQs e textos literários despretensiosos do início do século XX. O que por sua vez, cria uma elegante metalinguagem.

Pulp e sua metalinguagem

Max Winter é um velho cowboy fora da lei aposentado na Nova York dos anos 30. Idoso, faz de suas aventuras do passado o seu ganha pão recriando-as agora em contos, enquanto trabalha como escritor freelancer. E como todo escritor, a sua saúde financeira não anda tão bem. Porém, o que já estava ruim, piora quando Max se envolve em uma confusão no metrô ao tentar proteger um judeu, onde é espancado e roubado por nazistas.

Este pequeno introdutório, que dura sete páginas, já nos coloca dentro de algumas camadas de metalinguagem que Brubaker irá explorar. Algumas menos e outras mais. A questão financeira e os abusos cometidos por editoras contra artistas, a estrutura narrativa das aventuras contadas nos próprios pulps, as mudanças sociais entre o século XIX e XX nos EUA.

Esta transformação do ethos pode ser vista no próprio nome do nosso protagonista, uma vez que Winter é o termo em inglês para inverno, a última estação antes da alvorada de um novo ciclo. Eventualmente, é esse o ponto de fervura e o motor da HQ: um homem vivendo o seu crepúsculo, pertencente a outros tempos, vendo o mundo mudar, enquanto ele mesmo ainda se vê como quarenta anos atrás.

Dito de outra forma, a narrativa trabalha a tensão entre imanência e mudança. Em como certas coisas, por mais que se modifiquem, tendem a se repetir ou voltar às suas origens. Tanto que, e aqui Brubaker acrescenta uma quarta camada metalinguística, ao criar um paralelo entre os barões de gado, que  aterrorizavam o velho oeste, e os nazistas que marcharam pela Madison Square Garden em Nova York na década de 30, o quadrinista solidifica a narrativa de Winter e a fecha como em um ouroboros.

Assim, com este movimento, o roteirista faz com que a história volte a ser uma história de faroeste fazendo com que a grande sacada de Pulp é ser um quadrinho pulp sobre obras pulp”, como disse o jornalista Ramon Vitral, em entrevista com o quadrinista norte-americano.

Entretanto, o que seria de um cowboy sem o seu parceiro não é mesmo? E é aqui que entra uma figura do passado de Winter: o ex-detetive Jeremiah Goldman que perseguia o seu bando.

Pulp, a ética e tudo o que fica no meio

Pulp é um daqueles exemplos de HQs que esquematicamente não reinventam a roda. É rápida, entretém, mas não deixa de abordar temas pertinentes aos nossos dias. Mesmo que não o faça de forma aprofundada, não deixa de colocar uma pulga atrás da orelha.

Arte de: Sean Phillips

Eventualmente é a partir do momento que Winter, ex-fora da lei, e Goldman, ex-homem da lei, se juntam que a história ganha novos contornos. E tiro o meu chapéu para a forma como Brubaker constrói personagens tão diametralmente opostos, mas que a idade e as circunstâncias o tornam tão próximos. Homens de um outro lugar e de outra época, fazendo o possível para lidar com as transformações de um novo século.

A interação dos dois é um dos pontos altos da HQ e traz uma interessante discussão ética por debaixo dos panos. Reparem nos pontos defendidos nas conversas, mas principalmente na forma como os dois se comportam frente ao mundo e suas injustiças. E aqui, os dois, mais uma vez, quase se tocam. Mas, mesmo que sutil, a diferença entre ambos é demarcada com maestria. Como resultado, o que temos são personagens moralmente ambíguos que, frente a um mal muito maior, buscam enfrentá-lo cada um à sua maneira.

Winter se incomoda com o nazismo, por conta de uma questão de poder, Goldman se enraivece, por uma questão de raça. Ambos buscam defender pessoas das ações dos asseclas dessa funesta ideologia. No entanto, Goldman está disposto a se sacrificar por um bem maior, enquanto Winter só age quando a situação se torna pessoal. E entre um e outro, Brubaker trabalha toda a ambiguidade ética de suas ações ou a falta delas, já que no início da HQ temos uma sequência de espancamento onde a população em torno nada faz. 

Conclusão

Seguindo a fórmula, do autor argentino Julio Cortázar, de que contos devem ganhar por nocaute, Pulp é uma bonita porta de entrada ao universo noir criado pela dupla de quadrinistas que vem desembarcando por aqui no Brasil. Afinal de contas, não é todo dia que você encontra uma HQ rápida no gatilho e certeira no alvo, para ficar dentro da temática bang bang, como este pequeno volume. O que, por sua vez, demonstra um total acerto de tino e de tom por parte da Editora Mino em começar a sua coleção por aqui.

Então, se você ainda não deu uma chance para a badalada dupla, Pulp pode ser o motivo para que você abra um novo espaço nas suas estantes, assim como eu.

Nota: 4 de 5

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Autor: Thiago de Oliveira

Há mais de duas décadas lendo e colecionando quadrinhos. Tem mais da metade do que gostaria e menos do dobro do que queria ter. Não dispensa um pão de queijo, um café e uma cerveja.

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