Ficha Técnica

Gideon Falls vol 2: Pecados Originais capa
Capa de: Andrea Sorrentino

Gideon Falls vol 2: Pecados Originais
Autores: Jeff Lemire (roteiro), Andrea Sorrentino (arte), Dave Stewart (cores)
Tradução: Dandara Palankof
Preço: R$ 89,90
Editora: Image / Mino
Publicação: Abril / 2019
Número de páginas: 136
Formato: 17 x 26 cm, Capa dura, colorido
Gênero: Terror
Sinopse: Norton e a Dra Angie mergulham nos segredos do Celeiro Negro, na busca por reconstruí-lo. Em Gideon Falls, o padre Fred começa a desvendar o passado apavorante da cidade e seus estranhos assassinatos e desaparecimentos. E tudo parece convergir em torno da figura do escuso homem sorridente.

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Entrada

Para começar, é preciso dizer que a mitologia criada por Jeff Lemire é algo estranho, cruel, mas também estonteante e arrebatador. E uma vez que você adentrar aos seus mistérios, dificilmente irá conseguir parar de ler, pois o quadrinista canadense trabalha como poucos a expectativa de quem o lê. Gideon Falls vol 2: Pecados Originais é um belo exemplo desse jogo de agarrar e soltar no qual Lemire vai construindo a sua narrativa. 

Partindo dos eventos do volume anterior, vemos Norton tentando convencer a Dra Xu de que o celeiro negro faz parte de algo maior, enquanto coletam insólitos pedaços de madeira escura. Ao mesmo tempo em que o padre Fred e a delegada Clara buscam lidar com as experiências vividas no interior do celeiro durante o embate com o assassino Joe Reed. 

Criando um paralelismo entre estes dois núcleos, o volume segue com um enredo mais linear para contar o passado de Norton, de Gideon Falls e como o celeiro negro funciona como uma encruzilhada ligando todos os pontos. Como resultado, o que temos é um entreposto no qual Lemire aprofunda e costura os destinos desses personagens, nos dando a chance de nos importarmos cada vez mais com eles. E daí vem a força deste segundo volume, tornando-se uma interessante continuação. 

Gideon Falls vol 2 – dando um respiro na trama

Diminuindo o clima de perigo do primeiro volume, Lemire se volta aos enigmas lançados anteriormente a fim de dar algumas respostas aos seus leitores. Garantindo assim que um pouco de terreno firme surja aos nossos pés, porém apenas o suficiente para que a história avance sem entregar muito. Ou melhor, avance o necessário para que novos ganchos apareçam aqui e ali produzindo todo um clima de incerteza. 

Afinal de contas sabemos mais sobre o celeiro negro, mas ainda não compreendemos o que ele é ou o que representa. Também não sabemos como e o porquê de Norton e o padre Fred estarem conectados, somente que ambos não só viram, como sobreviveram às suas experiências dentro do celeiro. O único fato concreto é que o jovem vem recolhendo as suas peças e o sacerdote busca entender os acontecimentos que o ligam aos primórdios da cidade. 

Arte de: Andrea Sorrentino

A máxima de quê o que vale é a caminhada e não o fim pode ser facilmente aplicada aqui. A busca por respostas realizada por Norton, Dra Xu, padre Fred e a delegada Clara cria um ritmo no qual a leitura flui de forma envolvente. E muito desta dinâmica se deve, como disse anteriormente, ao jogo que o quadrinista canadense estabelece com o seu público. Uma resposta que leva a uma nova pergunta, que leva a outra peça no quebra cabeça e você não consegue largar o volume.

Talvez a melhor forma de descrever este trabalho de Lemire seja o de encaixar uma peça no Tetris. Você quebrou a cabeça, resolveu o enigma, limpou o terreno e agora há toda uma nova dose de dubiedade no ar.

O que é Gideon Falls

Em meio a tudo isso, continuamos a encontrar um quê de Twin Peaks em todas essas investigações. Principalmente no uso de visões, presságios e pequenos elementos, como a barata e a cor vermelha, símbolos da presença de um mal maior. Uma força que arrasta, como um redemoinho, esses dois homens em direção a uma grande revelação que, por sinal, foi muito bem pensada e elaborada com esmero por Lemire no decorrer da leitura. 

O que torna rotular Gideon Falls vol. 2: Pecados Originais, uma tarefa um tanto quanto ingrata. Ao mesmo tempo em que homenageia a série de David Lynch, a HQ também emula elementos do horror cósmico, da ficção científica, do thriller e até um pouquinho do body horror

A arte de Andrea Sorrentino em Gideon Falls vol 2

A arte de Sorrentino continua simplesmente soberba. E muito do impacto da HQ se deve às suas inventivas soluções de layout das páginas. Muito do que vimos nos primeiro volume retorna para continuar a atmosfera que permeia Norton e padre Fred. Ângulos distorcidos, câmeras olhos de peixe, páginas de ponta cabeça dão o tom da paranoia e tensão vividas pelo jovem e sua psiquiatra. Por outro lado, o clérigo e a delegada caminham por paragens mais bucólicas, permeadas por painéis silenciosos e longas sequências mais contemplativas. 

Isso, sem contar que o desenhista explora ao máximo os recursos da nona arte. Todas essas páginas inusitadas colaboram na visualização de conceitos bastante complexos, como o prolongamento do tempo e seu congelamento, a colisão de realidades distintas ou a própria desintegração do real. Tudo de tal forma, que transpor esses acontecimentos para outras mídias, parece a princípio, impossível de ser realizada. Um mérito e tanto do artista e que demonstra o seu total domínio das ferramentas disponíveis aos quadrinhos.

Há também o trabalho incrível da paleta de cores selecionada por Dave Stewart e que ajuda a separar esses dois universos. De um lado temos um verde sujo, sempre acompanhando de um cinza esbranquiçado e um preto opressivo, mesmo em cenas mais diurnas na cidade. Do outro, cores mais terrosas, claras e limpas. Em comum somente um tom de roxo, que irradia dos tons de pele dos personagens, e o vermelho vivo dos perigos que se sucedem. 

Arte de: Andrea Sorrentino

Contudo, a arte de Gideon Falls vol 2: Pecados Originais sofre com o formato escolhido pela editora brasileira. Sorrentino abusa das páginas duplas, com cenários que se contorcem, criando belíssimas cenas surrealistas, mas que não podemos ver completamente. E não foram poucas às vezes que me vi abrindo o máximo que podia a HQ. Não que as páginas percam a sua potência, mas a costura do volume impede uma visualização mais detalhada do desenhista italiano, o que pode frustrar um pouco os mais exigentes. Se bem que, o público brasileiro já está familiarizado e adaptado ao formato graphic novel

Conclusão

Este segundo número da série mantém as qualidades de seu antecessor e eleva as nossas expectativas para o próximo número. Inegavelmente, a trama ainda tem muito para nos apresentar e os fundamentos escavados aqui são sólidos o bastante para fazer com que qualquer fã de terror volte ao universo de Lemire.

Nota: 4

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Autor: Thiago de Oliveira

Há mais de duas décadas lendo e colecionando quadrinhos. Tem mais da metade do que gostaria e menos do dobro do que queria ter. Não dispensa um pão de queijo, um café e uma cerveja.

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