2021 foi um daqueles anos que passou voando. Entre a vacinação e a esperança de tempos melhores, prossegui mais um ano lendo quadrinhos. Menos do que gostaria, isso é verdade, mas é o que o bolso e o tempo hábil não andam dando conta. Porém cá estou novamente para falar dos melhores quadrinhos de 2021, ou melhor, fazer a seleção daqueles que bateram mais forte na minha lista de leitura.
Porque é isso, a minha lista não é necessariamente uma triagem dos mais de 2.000 quadrinhos publicados por aqui em 2021, conforme informações do Guia dos Quadrinhos. Afinal de contas, fazer isso não seria só impossível como também contraproducente, pois a ideia não é se afogar num turbilhão de tinta e papel apenas para ler os lançamentos do ano. A minha lista vai por um outro caminho, atendendo aos critérios da minha coleção, da minha vontade e atenção.
Lembrem-se que colecionismo é diferente de acumulação, então sejam racionais na hora de escolher o que ler. Ou não. Já que quando a empolgação bate, não há quem se aquiete até ter aquele quadrinho na mão. Contudo, vocês vão ver que nem sempre é preciso correr atrás da edição física para se ler uma grande HQ.
Seguindo as minhas resoluções do ano passado, resolvi trilhar o caminho do digital para diversificar as minhas leituras e posso dizer que não me arrependi. E convido vocês a fazerem o mesmo, porque há uma infinidade de histórias gratuitas a serem descobertas no Twitter, no Instagram, no Tapas ou no Webtoon. Esta última por sinal, talvez seja a maior editora de quadrinhos no mundo, pelo menos em número de leitores, e não sou eu que estou dizendo.
E para este ano pretendo finalmente pegar um Kindle (ou um tablet, porque ainda não descobri qual dos dois é melhor para este propósito) e começar a me aventurar pelos gibis digitais da Conrad e de outras editoras e quadrinistas brasileiros. No entanto, entendo os motivos pelos quais várias pessoas ainda preferem a versão física e ainda não consegui me desvencilhar da seguinte sensação: quando leio algo no digital sempre fico com a impressão de estar perdendo algo. Não é que eu não entenda, mas fica faltando alguma coisa.
Além disso, se tratando de quadrinhos, algumas coisas podem interferir no processo de leitura, como a virada de página. Algo que pode ser comprometido de acordo com o formato de visualização do arquivo digital e que se constitui como um dos principais recursos narrativos do gênero. Se bem que este ano, teve editora por aí que esculhambou o espelho da revista na hora imprimir e ainda ficou brava quando viu o erro ser apontado.
E o que não faltaram foram tretas, boas e ruins, na gibisfera brasileira este ano. Quem sabe, ano que vem não tenha um compilado desses acontecimentos? Apesar de que o Gibi de hominho faria um trabalho bem melhor em cobrir essas ocorrências que tanto movimentam hordas de fãs e leitores.
Mas chega de desvios e vamos a lista de melhores quadrinhos de 2021.
10 – Lex Luthor – Biografia não autorizada
Aprofundando o conceito de John Byrne na sua fase frente aos quadrinhos do Superman, a HQ apresenta um Lex Luthor ainda mais vilanesco e talvez uma de suas melhores representações.
Com uma trama policial, acompanhamos o jornalista Peter Sands investigando o passado do segundo homem mais poderoso de Metrópolis. Mas o que começa como uma simples análise de dados incorretos, se revela como uma intrincada teia de corrupção e violência. Algo tão obscuro que Sands recorre ao amigo de profissão Clark Kent em busca de proteção do Superman.
O mais interessante nessa HQ é que a participação do Superman é mínima e descobrimos por outros meios toda a vileza de Luthor. E muito disso advém da própria origem do mal do personagem: o seu poderio político e econômico. Esferas onde os poderes do kryptoniano não possuem efeito algum.
Com roteiro de James D Hudnall, arte de Eduardo Barreto e cores Adam Kubert, a HQ aprofunda o conceito criado por John Byrne em sua reestruturação do Homem de Aço e que você pode saber mais aqui mesmo.
9 – Um Pequeno Assassinato
Um garoto persegue um bem sucedido publicitário fazendo com que ele tenha que voltar a sua antiga cidade natal e confrontar o seu passado. Você certamente já leu ou assistiu um enredo parecido com isso: adulto frustrado confrontado por seu eu do passado se torna pessoa melhor ao final. Porém, o que Alan Moore faz aqui é pegar este clichê e torná-lo algo muito mais rico.
Fruto de uma parceria com o desenhista argentino Oscar Zárate, que propôs o mote da história, o quadrinho é repleto de simbologias que o abrem a múltiplas possibilidades de leituras. Tais como: uma HQ autobiográfica de Moore ou uma análise da transformação das mudanças sociais e culturais da Inglaterra e do Ocidente nos anos 80.
Caso você esteja se perguntando como isso é possível, a resposta está justamente na genialidade do roteiro e na habilidade do roteirista em juntar peças até então desconexas. E para saber mais, basta clicar aqui.
8 – Cumbe
Marcelo D’salete é um daqueles quadrinistas que trabalham escovando a história a contrapelo. Frente a enorme lacuna de registros diretos e documentos oficiais do período escravocrata no Brasil, D’salete reinventou o passado para reivindicar a humanidade negada de negros e pardos escravizados.
Tornando-os protagonistas de suas histórias, o quadrinista trata do machismo, da loucura, da busca pela liberdade e das inúmeras tensões que permeiam a relação entre senhores e cativos. O produto final são quatro histórias primorosas e donas de uma narrativa dramática que afirmam as diferentes lutas dos cativos em prol de suas liberdades.
Fruto de uma extensa pesquisa do autor sobre a época, Cumbe já é um clássico dos quadrinhos brasileiros e não só angariou reconhecimento internacional, como também se tornou material de referência em escolas brasileiras.
Cumbe foi mais uma HQ que também passou pelo nosso blog e que você pode ler a resenha completa aqui.
7 – Batman – Ego
Contrariando a lista do ano passado, onde não comentei nenhum lançamento, 2021 acabou trazendo de volta ao mercado brasileiro este clássico do Cavaleiro das Trevas e não teve como não embarcar no trem do hype. Afinal de contas, o quadrinho finalmente voltava a ser publicado após longos dezoito anos.
E tudo graças às declarações do diretor Matt Reeves que, em mais de uma ocasião, afirmou que a obra escrita e desenhada por Darwyn Cooke era uma de suas referências para o novo filme do Batman. Provando assim, que quando quer, a Panini consegue se preparar e se antecipar aos lançamentos do cinema e trazer obras relacionadas a este ou aquele outro filme do momento.
Neste novo volume, agora em edição de luxo, a consagrada história vem acompanhada de outras seis histórias do quadrinista. Como resultado temos um belo apanhado do trabalho de Cooke, onde escolher a cereja do bolo é um trabalho árduo. Leitura mais que recomendada.
6 – Isolamento
Os últimos dois anos não foram nada fáceis. Com o surgimento da covid-19 passamos por momentos no mínimo intensos e durante um tempo nos vimos obrigados a viver recolhidos. Vivendo através de telas, receosos e ansiosos por contato, tivemos que aprender a conviver conosco e com nossa família. Entretanto, Helô D’Angelo fez algo bem interessante: se voltou para a janela do seu apartamento e criou um grande retrato do que foram esses últimos dois anos por aqui.
Semanalmente, desde março de 2020, a quadrinista publicou as histórias dos moradores de 12 apartamentos de um mesmo prédio. E assim como, naquelas grandes séries de tiras semanais dos jornais, a história foi fazendo com que nos sentíssemos íntimos daqueles personagens. Sofrendo com suas despedidas, vibrando com algumas chegadas e reencontros e nos emocionando à medida que refletiam a própria realidade que vivíamos aqui fora.
Sucesso no Catarse, a série digital ganhou uma bonita publicação no ano de 2021 e se você ainda não conhece o trabalho da Helô, faça um favor a si mesmo e passe a segui-la no Instagram.
5 – Gideon Falls – volumes finais
Em sua segunda participação na lista, Gideon Falls, de Jeff Lemire e Andrea Sorrentino, viu os seus dois últimos capítulos chegarem ao Brasil. E se o quadrinho já se mostrava acima da média, o arco final não deixou a peteca cair e entregou um desfecho tenso. Um daqueles que te faz não desgrudar os olhos das páginas.
E mais uma vez a arte de Sorrentino roubou a cena. O que o desenhista italiano faz na história é algo incrível e que mostra toda a força da forma quadrinho. A diagramação das páginas, os ângulos não usuais, o jeito como algumas passagens dobram sobre si mesmas, é tudo extremamente funcional e ao mesmo tempo deslumbrante. Em outras palavras, Gideon Falls é um exemplo daquilo que somente quadrinhos podem fazer.
Fiz uma breve apresentação no podcast HQ Sem Roteiro do queridíssimo PJ e que você pode ouvir no Spotify ou no site deles. E fiquem atentos, pois ainda vou voltar a resenhar a série aqui no blog.
4 – Buscavidas
Continuando a aumentar o loteamento argentino na coleção, fui atrás deste tão bem falando clássico argentino. Terminado a leitura do quadrinho só posso dizer que ele é tudo isso o que dizem dele e muito mais.
Em treze histórias, Carlos Trillo (roteiro) e Alberto Breccia (arte) retratam uma opressiva e violenta Buenos Aires no auge da ditadura militar. E apresentando a cidade, temos Buscavidas: um colecionador de vidas que perambula pelos mais sombrios cantos coletando, catalogando e arquivando as histórias dos desafortunados que encontra.
Este flanar pela capital argentina acaba sendo um grande tratado acerca da bestialidade do regime militar de Jorge Rafael Videla e como a indiferença nestes momentos de crise é o mais grave dos pecados. Tanto que muito da repulsa no decorrer das histórias vem da apatia de Buscavidas. Falei mais sobre isso aqui.
Com uma arte sublime, e que dialoga diretamente com o expressionismo alemão, Buscavidas é um quadrinho onde não se sai ileso e por isso, altamente recomendável.
3 – Grandes Astros – Superman
Se alguém me perguntasse o que torna uma obra um clássico, eu diria que é a sua capacidade de sempre proporcionar novas sensações e reflexões a cada leitura. Uma definição óbvia, mas que se encaixa como uma luva quando falamos deste quadrinho do Grant Morrison.
Porém, mesmo sendo uma das minhas HQs preferidas, só pude preencher esta lacuna na coleção em 2021. Como consequência, não pude deixar de reler e como é bom ter alguém que entende o personagem escrevendo e explorando coisas novas. Nem que para isso seja necessário colocar o kriptoniano numa jornada rumo à morte.
Dona de uma simbologia poderosa, Morrison explora na história o Superman como uma ideia, um ideal, um selo mágico capaz de nos inspirar a buscarmos o nosso melhor. Mesmo que tropecemos no caminho várias e várias vezes. Tanto, que o próprio kriptoniano cai, levanta, cai outra vez e continua, mesmo quando as coisas não parecem mais fazer sentido.
Ficou parecendo autoajuda demais né? Mas aí é que está o ponto e a magnitude do quadrinho: de piegas ele não tem nada. E vale a pena ler este relato/artigo, em inglês, de como o Superman pode sim ser tudo isso que Morrison disse e muito mais.
2 – Pílulas Azuis
Já não é de hoje que tinha ouvido falar de Pílulas Azuis e de seu autor Frederik Peeters. Só que, assim como série de outros quadrinhos, o tempo e a oportunidade não surgiam e fui postergando o momento. Todavia, com o lançamento de Oleg, sua continuação não-oficial, a curiosidade chegou ao seu pico e graças a uma promoção marota da Nemo, pude finalmente pôr as minhas mãos nas duas obras.
Admito que a ansiedade era alta e só posso dizer que a espera foi altamente recompensada. Acompanhar a história autobiográfica de Peeters e sua parceira Cati foi algo transformador.
Fazendo um poderoso relato de seu relacionamento, o quadrinista nos conta com detalhes os primeiros encontros casuais com Cati, a reaproximação alguns anos mais tarde, o início do envolvimento dos dois, com ela agora tendo um filho pequeno, e a revelação de tanto ela quanto a criança serem soropositivos.
O resultado é uma sincera história de amor. E talvez sinceridade seja a palavra-chave da HQ. O motivo para isso é que Peeters não se pinta como bom-moço e nos mostra toda a sua angústia, medo, raiva, dúvidas e esperanças à medida que o relacionamento evolui.
Se você ainda não leu, leia o quanto antes. E se você quer iniciar alguém no mundo dos quadrinhos, Peeters talvez seja o caminho.
1 – Bom Dia, Socorro
Paulo Moreira é um dos meus quadrinistas brasileiros favoritos. Dono de um traço único e um tino para o humor impagável, cada tirinha publicada é uma gaitada. Como se isso já não bastasse, o pernambucano ainda tem uma sensibilidade ímpar para captar aquele nosso Brasilzão de cada dia. Aqui o que ele faz é elevar essa fórmula a enésima potência.
Mostrando a batalha entre duas donas de casa pernambucanas, que poderiam muito bem ser a sua mãe ou a sua avó, em busca de quem manda a melhor mensagem de bom dia / boa noite. E o que começa como uma simples conversa no Whatsapp se torna uma batalha nos moldes de Dragon Ball Z onde vale tudo: corrente de oração, gatinhos, figurinhas, Jesus, vídeo, meme e tudo mais que com certeza você já recebeu de algum parente.
Ao final o que temos é uma HQ que fala muito do jeito da nossa gente, que nos lembra de duas coisas. A primeira é a de como é bom ser brasileiro, já a segunda é que o melhor desta terra está justamente na escumalha, no “povo miúdo” que anda tão esquecido. E tudo isso em setenta páginas. Arte pura.
Fica a minha torcida para que alguma editora olhe com carinho para a história, mas enquanto isso leia o quadrinho aqui
Menções honrosas
Como não podia deixar de ser, algumas leituras ficam de fora da lista de melhores quadrinhos de 2021, mas ao mesmo tempo não dá para deixar de falar sobre elas.
Como por exemplo, a série What We Mean By Yesterday, do quadrinista Benjamin Marra. Publicada toda quarta-feira (você não achou que seria em outro dia né?) no Instagram, o quadrinho entrou em hiato no fim de 2021 após duas temporadas, por assim dizer, mas mesmo assim vale a pena você dar uma navegada pelo feed.
Outro quadrinho interessante que você pode acompanhar no Instagram, é o Expedição 43. Com roteiro de Greg Stella e desenhos da Bianca Pinheiro, acompanhamos a história dos expedicionários, não muito corajosos, Buba e Hau num futuro onde a humanidade vive em uma arca espacial e ela está prestes a cair. Comédia e aventura na medida certa.
E para 2022?
Bem, para este ano eu gostaria mesmo era de que os preços dos quadrinhos baixassem. Está difícil manter todos os pratos girando e o das HQs está quase sendo arremessado pela janela. Uma saída, que venho adotando, para não entrar em desespero vendo tantos lançamentos é me manter fiel aos critérios da minha coleção.
Para exemplificar o que digo, deixo o vídeo do Quadrinhos na Sarjeta sobre a coleção do rico e do pobre.
Por isso, sei que para 2022, o plano é ainda tentar pegar os títulos que faltam do Alan Moore, alguns dos argentinos que andaram saindo nos anos passados, me empenhar na coleção do Corto Maltese e aumentar consideravelmente o número de quadrinhos brasileiros na pilha de leitura.
E os seus, quais são?