Ficha técnica

Um fim de semana ruim capa
Capa por: Sean Phillips

Um fim de semana ruim
Autores: Ed Brubaker (roteiro), Sean Phillips (arte) e Jacob Philipps (cores)
Tradução: Dandara Palankof
Preço: R$ 69,00
Editora: Mino / Image Comics
Publicação: Julho / 2021
Número de páginas: 72
Formato: 17 x 26 cm/Colorido/Capa dura
Gênero: Policial
Sinopse: Uma convenção de quadrinhos, um quadrinista aposentado e beberrão esperando para receber um prêmio pelo conjunto de sua obra. Um final de semana inteiro entre nerds, cosplayers, vigaristas e escroques.

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Ed Brubaker e Sean Phillips são nomes que dispensam apresentações, contudo admito que não tinha lido nada da dupla até pouco tempo atrás. Com todo o burburinho causado a cada anúncio da Editora Mino, lá fui eu atrás de escolher uma obra como porta de entrada para a bibliografia da dupla. Eventualmente, acabei tomando o caminho das obras “menores”.

Digo menores, no sentido de serem obras que ocupam posições mais distantes na cauda longa da coleção Brubaker-Phillips. Mas admito que o principal charme das HQs escolhidas até então, são de que elas dialogam com o próprio mercado de quadrinhos. Ok, Pulp nem tanto, mas estava lá um pouquinho de como as editoras norte-americanas sempre foram cruéis com artistas, explorando brechas jurídicas para tomarem os direitos de personagens para si.

Porém aqui, em Um fim de semana ruim, o cinismo é escancarado de vez e nos vemos em torno do lado criminoso da indústria dos quadrinhos; sobrando até para a faceta colecionista deste universo. Tudo tendo como pano de fundo uma convenção de quadrinhos, local mais que propício para transações ilícitas envolvendo enormes quantias e artes originais de desenhistas lendários.

Arte de: Sean Phillips

Possuindo um conhecimento ímpar do mercado estadunidense de quadrinhos, do clima das comic-cons e, por que não, do ímpeto selvagem dos colecionadores; Brubaker cria um thriller preciso, sem arestas e atraente. Entregando personagens cativantes, moralmente ambíguos e dramáticos como todo bom conto policial deve ser.

Um fim de semana ruim ou dos crimes quando se coleciona

Situada em 1997, a HQ acompanha o artista veterano Hal Crane, convidado de honra e que está prestes a receber um prêmio pelo conjunto de sua obra em uma comic-con. Desgostoso com a indústria, Crane não nutre muitos amores pelo meio, apesar de ser adorado por fãs e colegas profissionais.

Para servir de guia, companhia e motorista, a convenção entra em contato com um antigo assistente do desenhista, Jacob. Sua missão é fazer com que o artista compareça aos painéis e eventos programados. Algo que veremos que não é muito fácil, já que Crane se revela um bêbado muito mais interessado em outros negócios. Negócios como falsificação e roubo de arte, invasão, agressão e intrigas envolvendo um mistério de seu passado.

Roubos de quadrinhos e de materiais originais não são exatamente novidades no meio. Uma rápida pesquisa no Google e você vai se deparar com diferentes casos internacionais, nacionais, ocorridos em comic-shops, coleções particulares e até mesmo em convenções. Muitos destes roubos, são feitos para atender a interesses de colecionadores e fãs escusos, pois caso postos à venda seriam rapidamente identificados. Uma prática tão comum e antiga quanto o próprio colecionismo.

Arte de: Sean Phillips

Entretanto, a forma como Brubaker constrói a trama torna este evento em algo mais próximo de um drama do que de um enredo noir. Há em Crane uma fatalidade, uma amargura que torna tudo mais íntimo, menor, comedido. A busca pelos seus originais perdidos é marcada por uma angústia que, por sua vez, serve tanto para humanizar o personagem como para tornar o final ainda mais impactante.

Muito da carga dramática vem da narração, em primeira pessoa, de Jacob, o ex-assistente e guia não só do velho desenhista, mas também do próprio leitor. É ele quem apresenta dados e fatos da vida de seu antigo mentor e quem, por fim, conduz a história mesmo ocupando o papel de testemunha.

Kid, comics will break your heart

Eventualmente, é em Jacob que podemos sentir, com mais força, as mazelas que a indústria pode causar em quem sonha em adentrar ao meio. Seu relacionamento com Crane é azedo, como o próprio admite, e o preço por conhecer seu herói foi, não só a perda de sua inocência, mas também de seu próprio desejo de se tornar um quadrinista.

Ambos, Crane e Jacob, são personagens amargurados. Cada um à sua maneira, é claro, porém a origem deste mal-estar está no choque de realidade ao se deparar com todos os maus-tratos perpetrados pela indústria de quadrinhos norte-americana aos seus funcionários: prazos apertados, baixa remuneração e falta de regulamentação trabalhista. Agora some a isso, profissionais que, em muito, tem a sua origem no amor pela mídia e o desastre está a um passo.

Muito da tragédia de Um fim de semana ruim vem justamente desta dicotomia entre a paixão dos trabalhadores da área com a crueza com que empresas lidam com os mesmos. Ainda mais agora que os quadrinhos se tornaram fazendinhas de propriedades intelectuais para grandes estúdios criarem suas séries e filmes que rendem bilhões. Dinheiro esse que pouco ou quase nada acaba parando no bolso de quem criou personagens, fases e histórias memoráveis.

Arte de: Sean Phillips

Algo que o próprio roteiro faz questão de demonstrar em seu ápice, a entrega do prêmio, onde Hal Crane, em seu melhor momento “filho da puta” de ser, soca o rosto de seu antigo editor logo após um longo e sincero discurso sobre o seu amor aos quadrinhos.

Contudo, onde estão as páginas buscadas por Crane? Bem, o final fica somente para os leitores.

Conclusão

Considero Um fim de semana como uma segunda boa entrada no universo criminal criado por Brubaker e Sean Phillips. O que me faz pensar em como será a experiência de quando finalmente for de encontro às tais grandes obras, como a série Criminal.

Porém, o que já pude perceber até aqui é que o gênero noir continua sendo muito bem representado pela dupla. Assimilando as ideias dos melhores contos do estilo, onde o crime e os atos de violência são apenas gatilhos e nunca fins em si mesmo, a dupla consegue criar histórias que, mesmo mais lentas, batem forte e principalmente sabem onde bater.

Mas antes de encerrar, não posso deixar de falar do trabalho do colorista Jacob Philipps. Sua paleta de cores é emocional e vai desde cores mais intensas com predominância do roxo e do rosa, como nas sequências no bar e no banquete, até tons pastéis bastante suaves durante os flashbacks.

Algo a se notar é como as cores são trabalhadas também de forma a cada momento da HQ ser retratada com um conjunto próprio. Os instantes de calmaria são sempre perpassados pelo branco, como os eventos da convenção ou durante o discurso no banquete, já os de amargura possuem cores e tons mais escuros e vibrantes. Tornando assim a HQ quase que um exemplo do Neo-noir, quase.

Para terminar, fica o aviso: os quadrinhos não vão só quebrar o seu coração, como também farão vocês cometerem crimes e acabar com a sua vida.

Nota: 3

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Autor: Thiago de Oliveira

Há mais de duas décadas lendo e colecionando quadrinhos. Tem mais da metade do que gostaria e menos do dobro do que queria ter. Não dispensa um pão de queijo, um café e uma cerveja.

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