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De segunda

Críticas de segunda e Opiniões de quinta sobre Quadrinhos

Por Thiago de Oliveira

Ajuricaba hq review

Ajuricaba

Conheça a história de um dos povos originários do nosso país. Conheça a história dos manaos e seu líder Ajuricaba.

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Sumário

Ficha técnica

Ajuricaba hq capa
Capa de: Ana Valente

Ajuricaba
Autores: Ademar Vieira (roteiro), Jucylande Júnior (arte), Tieê Santos (arte-final), Ana Valente (capa), Alex Souza (edição)
Preço: R$ 55,00
Editora: Black Eye estúdio
Publicação: 2022 (2ª edição)
Número de páginas: 134
Formato: (21 x 29,5 cm) Preto e branco/Lombada quadrada
Gênero: Aventura
Sinopse: Século XVII, Brasil. Após anos de conflitos, massacres e escravização, advindos da ocupação europeia na Amazônia, surge um grande líder, oriundo da maior nação guerreira da selva – Ajuricaba.

***

O Brasil tem sérios problemas com o seu passado. Há, e não de hoje, uma insistência em se negar os inúmeros crimes cometidos em nosso processo de colonização. Um método de apagamento e de não reconhecimento da violência sistêmica contra os povos originários e a população negra de nosso país que permanece até os dias atuais. Um ataque tanto físico quanto simbólico e que faz com que precisemos recorrer a ficção para preencher lacunas de nossa história. Daí a importância de obras como Ajuricaba.

Tamanha importância, foi devidamente reconhecida pelas inúmeras indicações a prêmios como ao Angelo Agostino 2020 (melhor lançamento independente), Jabuti 2021 (melhor quadrinho) e ao HQ Mix 2021 (melhor arte-finalista). Além de ter vencido o os prêmios de melhor quadrinho, melhor arte-finalista e melhor roteirista no 1º prêmio Mapinguari de quadrinhos.

Para se entender o que Ademar Vieira, Jucylande Júnior e Tietê Santos fizeram aqui, é necessário fazer um pequeno paralelo com o que Marcelo D’salete vem fazendo em seus quadrinhos. 

Há em D’salete um resgate da história, dos feitos e da importância do povo negro brasileiro. Um processo que se baseia em bastante pesquisa, mas que também toma liberdades para preencher lacunas. Vazios estes que foram gerados justamente pela violência colonialista portuguesa e que depois foi incorporado pelo Estado brasileiro.

Algo que o filósofo Walter Benjamin irá nomear de “escovar a história a contrapelo”. Um processo extremamente necessário em nossa sociedade para que possamos avaliar o nosso passado e assim avançarmos para algo mais justo. 

Ajuricaba – uma história esquecida

Este método de escovar a história a contrapelo é algo lento. Sem registros oficiais ou provas documentais, recontar essas histórias perdidas é, em muitos dos casos, um trabalho detetivesco. Algumas evidências aqui, outras suposições ali para tentar preencher um imenso quebra-cabeça com peças faltantes.

Arte de: Jucylande Júnior

Em muitos casos é como ler um palimpsesto, já que segundo dados oficiais 70% da população indigena brasileira foi exterminada. Some isso ao tamanho continental de nosso país e teremos inúmeras histórias ignoradas pelo nosso próprio povo ou transformadas em lendas. E este é o caso aqui. 

Para superar essas barreiras, o trabalho de Vieira é calcado em uma uma extensa pesquisa, fazendo questão de pontuar o que é fato e o que é ficção. A mescla dessas informações criar uma narrativa pungente e que retrata toda a brutalidade do período e das lutas vividas pelos povos que ocupavam as margens do rio Negro no sec. XVIII.

A violência na HQ é bastante gráfica, porém a sua representação está ali a favor da narrativa, servindo para o desenvolvimento dos personagens e também para problematizar os pontos tratados. Há muito sangue, mas o núcleo da narrativa é outro e não apenas para chocar. Seu intuito passa pela discussão da hipocrisia e da vileza dos bandeirantes e da igreja católica, assim como pensar a legalidade das ações de Ajuricaba.

Este aspecto do conflito e das ações do líder indigena, é, sem dúvida, um dos pontos altos da HQ. Pois, para além da ambiguidade de seus atos, a sua figura é trágica e por isso mesmo tão poderosa. E toda esta força vai sendo construída ao longo da narrativa de forma primorosa. Tudo isso vem embalado em uma aventura de mão cheia. Há muita ação, bons coadjuvantes, batalhas intensas e as cenas finais batem forte.

A arte de Ajuricaba

Outro ponto que não poderia ficar de fora é a arte estilizada da HQ. A dupla Jucylande Júnior (arte), Tieê Santos (arte-final), produz aqui é totalmente fora de série. O cuidado com a caracterização dos povos retratados, bem como com a individualização de cada personagem, é esplêndido. Além disso, as cenas de ação, que acabam envolvendo bastante indivíduos, são claras e é conseguimos ver todos os detalhes das escaramuças. Então preparem-se para ficar alguns momentos lendo as páginas. 

Arte de: Jucylande Júnior

A arte da HQ também possui um outro detalhe que salta aos olhos é a sua semelhança com o traço do grande quadrinista brasileiro Flávio Colin. Contudo, ela não é uma cópia ou coisa parecida, ela dialoga de forma a criar uma possível escola Colin de desenho. 

Conclusão

Contar determinadas histórias importam. Seja para curar feridas, seja para inspirar novos caminhos. Representatividade não é algo menor como muitos pensam. Ela é necessária para que barbaridades cometidas no passado, longínquo e recente, não se repitam, tais como: os campos de concentração criados pela ditadura militar brasileira para, trancafiar índios transgressores e outros grupos que lutavam por terras.

Seja como for, a compreensão da pluralidade de povos que formam o nosso país é algo imprescindível para avançarmos. E poder contar com obras como Ajuricaba no percurso mostra que estamos no caminho certo. 

Nota: 4

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